«Não devias, também tu, compadecer-te do teu companheiro»
"Se
Paulo VI por mais de uma vez indicou que a «civilização do amor» é o fim para o
qual devem tender todos os esforços, tanto no campo social e cultural, como no
campo económico e político, é preciso acrescentar que este fim nunca será
alcançado se, nas nossas conceções e nas nossas atuações relativas às amplas e
complexas esferas da convivência humana, nos detivermos no critério do «olho
por olho e dente por dente» (Ex 21,24; Mt 5,38) e, ao contrário, não tendermos
para transformá-lo essencialmente, completando-o com outro espírito.
É nesta
direção que nos conduz também o Concílio Vaticano II quando, ao falar
repetidamente da necessidade de «tornar o mundo mais humano» (GS 40),
centraliza a missão da Igreja no mundo contemporâneo precisamente na realização
desta tarefa.
O mundo dos homens só se tornará mais humano se introduzirmos, no
quadro multiforme das relações interpessoais e sociais, juntamente com a
justiça, o «amor misericordioso» que constitui a mensagem messiânica do
Evangelho.
O
mundo dos homens só poderá tornar-se cada vez mais humano quando introduzirmos,
em todas as relações recíprocas que formam a sua fisionomia moral, o momento do
perdão, tão essencial no Evangelho.
O perdão atesta que, no mundo, está
presente o amor que é mais forte que o pecado.
O perdão, além disso, é a
condição fundamental para a reconciliação, não só nas relações de Deus com o
homem, mas também nas relações dos homens entre si.
Um mundo do qual se
eliminasse o perdão seria apenas um mundo de justiça fria e pouco respeitosa,
em nome da qual cada um reivindicaria os direitos próprios em relação aos
demais.
Deste modo, as várias espécies de egoísmo, latentes no homem, poderiam
transformar a vida e a convivência humana num sistema de opressão dos mais fracos
pelos mais fortes, ou até numa arena de luta permanente de uns contra os
outros.
Com
razão a Igreja considera seu dever e objetivo da sua missão assegurar a
autenticidade do perdão, tanto na vida e no comportamento concreto, como na
educação e na pastoral.
E não o protege senão guardando a sua fonte, isto é, o
mistério da misericórdia de Deus, revelado em Jesus Cristo."
São João Paulo II (1920-2005), papa , Encíclica «Dives in misericordia», §14 (texto editado)