A propósito do filme "Silêncio"
Há dias
[em 2017!], tive a oportunidade e o privilégio de poder visionar, na companhia
de elementos do Grupo de Jovens de Constantim, o filme “Silêncio”, drama histórico realizado por Martin Scorsese, e que se
baseia no “best-seller” homónimo
escrito, em 1966, pelo japonês Shusaku Endo.
No final,
conversámos sobre o mesmo.
Em pleno
séc. XVII, dois padres jesuítas
portugueses deslocam-se, incógnitos, ao Japão, à procura do seu mentor, Pe. Cristóvão Ferreira (interpretado
por Liam Neeson), que teria apostatado,
isto é renegado a sua fé em Deus.
O filme
decorre numa época em que o catolicismo
tinha sido banido no Japão, e os cristãos que se mantinham fiéis eram
perseguidos, submetidos a torturas indescritíveis e mortos.
É um
filme intenso, perturbador mesmo, e que nos questiona sobre alguns aspetos da
nossa fé em Jesus Cristo, e o amor
aos irmãos.
Trata, de
modo muito particular, o aparente silêncio de Deus perante o sofrimento dos
cristãos.
No filme
há dois aspetos que mais me tocaram.
Um, foi o
modo como o autor aborda a questão da confissão de quem está sempre a cometer o
mesmo pecado.
Kichijiro
era um japonês, que, facilmente, poderíamos apelidar de cobarde e traidor, e
que sempre que renegava publicamente a sua fé em Jesus Cristo, procurava avidamente a confissão, para que Deus lhe
perdoasse o mal feito.
E o Pe.
Sebastião Rodrigues (interpretado por Andrew Garfield) – mesmo “reclamando” -
sempre o ouvia em confissão e o absolvia, enquanto que o Pe. Francisco Garupe
(interpretado por Adam Driver) recusava.
Mesmo quando
Kichijiro denunciou o Pe. Sebastião Rodrigues às autoridades japonesas, este,
apesar de já estar na prisão, e de não o poder ouvir em confissão, vendo-o no
pátio da prisão com um olhar que denunciava arrependimento, estendeu a mão e
absolveu-o em nome de Deus, Pai Misericordioso.
O outro
aspeto foi ter sido “obrigado” a fazer uma reflexão sobre o que será melhor,
mais belo aos olhos de Deus:
- aceitar
o martírio pessoal, como o Pe. Sebastião Rodrigues estava disposto a sofrer
(mas esta atitude seria para “maior glória de Deus”, ou para a sua própria
glória?),
- ou
aceitar pisar a imagem de Cristo, renegando publicamente a sua fé, para salvar
da morte os irmãos que estavam a ser torturados?
O aspeto
principal da última parte do filme é este mesmo: o Pe. Sebastião Rodrigues
debate-se, constantemente, com questões e dilemas interiores, com o “silêncio
de Deus” perante o sofrimento dos cristãos.
Ele está
preparado para defender os seus ideais e a sua fé em Jesus Cristo até ao fim,
até à morte.
Mas será
ele capaz de apostatar (renunciar publicamente à sua fé) para salvar outros que
estão a ser torturados com água quente ou queimados vivos, atados a feixes de
palha, e continuar a viver com a sua consciência?
Penso que
S. Paulo, na sua Carta aos Coríntios lança um pouco de
luz sobre esta questão, quando afirmou, “e
ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada
disso me aproveitaria.” (1Cor 13, 3)
Só Deus, O único que vê no coração dos
homens e mulheres, sabe quem é verdadeiramente apóstata, ou quem,
exteriormente, “renega a sua fé em Cristo”,
embora interiormente continue a acreditar n’Ele, como forma de salvar a vida de
alguns dos seus irmãos.
Vale a
pena ver.
José
Pinto
Texto publicado no Jornal A Voz de Trás-os-Montes - 03.08.2017 (texto editado)