«Bem-aventurados os pobres em espírito» (Mt 5,3)
"Jesus
respondeu-lhe: «Se queres ser perfeito,
vende o que tens e dá-o aos pobres e terás um tesouro nos Céus. Depois vem e
segue-Me».
Ao ouvir
estas palavras, o jovem retirou-se entristecido, porque tinha muitos
bens." (Mt. 19, 21-22)
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«Bem-aventurados os pobres em espírito» (Mt 5,3)
"Não
se trata de rejeitar os bens suscetíveis de ajudar o próximo. É da natureza das
posses serem possuídas; como é da natureza dos bens difundir o bem; Deus
destinou-os ao bem-estar dos homens.
Os bens
estão nas nossas mãos como ferramentas, como instrumentos dos quais fazemos bom
uso, se soubermos manipulá-los. [...] A natureza fez das riquezas escravas, e não
senhoras.
Não se
trata, pois, de as depreciar, porque, em si mesmas, não são boas nem más, mas
inocentes.
De nós
depende o uso, bom ou mau, que delas fazemos; o nosso espírito, a nossa
consciência, são inteiramente livres para dispor à sua vontade dos bens que
lhes foram confiados.
Destruamos,
pois, não os nossos bens, mas a cobiça que lhes perverte o uso. Quando nos
tivermos tornado virtuosos, saberemos usá-los com virtude.
Compreendamos
que os bens dos quais nos mandam desfazer-nos são os desejos desregrados da
alma. [...]
Nada
lucrais em largar o dinheiro que tendes, se continuardes a ser ricos em desejos
desregrados. [...]
Dar bom uso ao dinheiro
Eis de
que forma concebe o Senhor o uso dos bens exteriores: temos de nos desfazer,
não do dinheiro que nos permite viver, mas das forças que nos levam a usá-lo
mal, ou seja, das doenças da alma. [...]
Temos de
purificar a nossa alma, isto é, de a tornar pobre e nua, para ouvirmos o
chamamento do Salvador: «Vem e segue-Me».
Ele é o
caminho que percorre aquele que tem o coração puro. [...]
Este
considera que a fortuna, o ouro, a prata, as casas que possui, tudo isso são
graças de Deus; e mostra-Lhe o seu reconhecimento socorrendo os pobres com os
seus fundos.
Ele sabe
que possui esses bens, mais para os irmãos do que para si mesmo; longe de se
tornar escravo das suas riquezas, é mais forte do que elas; não as encerra na
sua alma. [...] E, se um dia o dinheiro lhe desaparecesse, aceitaria a ruína
com a felicidade dos melhores dias.
É esse o homem, afirmo eu, que Deus considera bem-aventurado e a quem chama «pobre em espírito» (Mt 5,3), herdeiro certo do Reino dos Céus, que está fechado àqueles que não souberam desprender-se da sua opulência."
São Clemente de Alexandria (150-c. 215), teólogo | Homilia: «Os ricos salvar-se-ão?» (Texto editado) | Imagem