«Bem-aventurados vós, que agora chorais»
“Naquele
tempo, Jesus, erguendo os olhos para
os discípulos, disse: «Bem-aventurados
vós, os pobres, porque é vosso o Reino de Deus.
Bem-aventurados vós, que agora tendes fome,
porque sereis saciados. Bem-aventurados vós, que agora chorais, porque haveis
de rir.
Bem-aventurados sereis, quando os homens vos
odiarem, quando vos rejeitarem e insultarem e proscreverem o vosso nome como
infame, por causa do Filho do homem.
Alegrai-vos e exultai nesse dia, porque é
grande no Céu a vossa recompensa. Era assim que os seus antepassados tratavam
os profetas.
Mas ai de vós, os ricos, porque já recebestes
a vossa consolação.
Ai de vós, que agora estais saciados, porque
haveis de ter fome. Ai de vós, que rides agora, porque haveis de
entristecer-vos e chorar.
Ai de vós, quando todos os homens vos
elogiarem. Era assim que os seus antepassados tratavam os falsos profetas».” (Lc
6,20-26)
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«Bem-aventurados vós, que agora chorais»
“
«Bem-aventurados vós, que agora chorais,
porque haveis de rir».
Através
desta palavra, o Senhor quer fazer-nos compreender que o caminho da alegria é o
pranto. É pela desolação que se chega à consolação; é perdendo a vida que ela
se encontra, é rejeitando-a que a conservamos, é odiando-a que a amamos, é
desprezando-a que a conservamos (cf Mt 16,24s).
Se queres
conhecer-te e ter autodomínio, entra em ti mesmo e não te procures no exterior.
[...] Cai em ti, pecador, recolhe-te na tua essência, no teu coração. [...]
Não é
certo que o homem que entra em si mesmo descobre que se encontra longe, como o
filho pródigo, numa região de dissemelhança, numa terra estrangeira, onde se
senta e chora, recordando-se de seu pai e da sua pátria (cf Lc 15,17)? [...]
«Adão, onde estás?» (Gn 3,9)
Talvez
estejas ainda na obscuridade para não te encarares a ti mesmo; coses folhas de
vaidade umas às outras para cobrir a tua vergonha, olhando o que tens à volta e
o que é teu. [...]
Olha para
o teu interior, olha para ti. [...] Entra dentro de ti, pecador, regressa à tua
alma. Contempla e chora esta alma sujeita à vaidade e à agitação, que não se
consegue libertar do seu cativeiro. [...]
É
evidente, irmãos, que vivemos fora de nós, esquecidos de nós, de cada vez que
nos dispersamos em ninharias ou em distrações, de cada vez que nos regalamos
com futilidades.
É por
isso que a Sabedoria leva a peito
convidar-nos para a casa do arrependimento antes de nos convidar para a casa do
banquete, como que para chamar a si o homem que andava no exterior de si mesmo,
dizendo-lhe: «Bem-aventurados vós, que
agora chorais» e também: «Ai de vós,
que rides agora».
Meus
irmãos, gemamos na presença do Senhor, cuja bondade leva ao perdão;
convertamo-nos a Ele «com jejuns, com
lágrimas, com gemidos» (Jl 2,12) para que um dia [...] as suas consolações
façam rejubilar a nossa alma.
Com
efeito, felizes são os que choram, não por chorarem, mas porque serão
consolados. O pranto é o caminho; a consolação é a beatitude.”
Isaac da Estrela (?-c.
1171), monge cisterciense | Sermão 2 para o dia de Todos os Santos, 13-20 | Imagem