«Muitos profetas e reis quiseram ver o que vós vedes»
“Naquele
tempo, os setenta e dois discípulos voltaram cheios de alegria, dizendo: «Senhor,
até os demónios nos obedeciam em teu nome».
Jesus
respondeu-lhes: «Eu via Satanás cair do céu como um relâmpago.
Dei-vos o
poder de pisar serpentes e escorpiões e dominar toda a força do inimigo; nada
poderá causar-vos dano.
Contudo,
não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem; alegrai-vos antes porque os
vossos nomes estão escritos no Céu».
Naquele
momento, Jesus exultou de alegria pela ação do Espírito Santo e disse: «Eu
Te bendigo, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas verdades
aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque
assim foi do teu agrado
Tudo Me
foi entregue por meu Pai; e ninguém sabe o que é o Filho senão o Pai, nem o que
é o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar».
Voltando-Se
depois para os discípulos, disse-lhes: «Felizes os olhos que veem o que
estais a ver, porque Eu vos digo que muitos profetas e reis quiseram ver o que
vós vedes e não viram e ouvir o que vós ouvis e não ouviram».” (Lc 10,17-24)
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«Muitos profetas e reis quiseram ver o que vós vedes»
“Poder-se-á
dizer que a partilha profunda dos sentimentos é uma lei eterna, porque tem
significado, ou melhor, tem cumprimento, de forma primordial, no amor recíproco
e indizível da Trindade.
Deus,
infinitamente uno, foi também sempre três pessoas. Desde sempre, Deus exulta
no Filho e no Espírito, e Eles nele [...]. Quando o Filho Se fez carne,
viveu durante trinta anos com Maria e José, formando assim uma imagem da
Trindade na terra. [...]
Mas
convinha que Aquele que havia de ser o verdadeiro Sumo-Sacerdote, e de
exercer esse ministério para toda a raça humana, estivesse livre de laços e de
sentimentos, tal como se dissera antigamente que Melquisedeque não tinha
pai nem mãe (Heb 7,3). [...]
Abandonar
a mãe, gesto que Ele torna plenamente significativo em Caná (Jo 2,4), era
portanto o primeiro passo solene necessário ao cumprimento da salvação do mundo
[...].
Jesus renunciou
não só a Maria e a José, mas também aos amigos secretos. Quando
chegou o seu tempo, teve de renunciar a todos eles.
Mas
podemos supor que estava em comunhão com os santos patriarcas que haviam
preparado e profetizado a sua vinda.
Numa
ocasião solene, vimo-lo falar durante toda a noite com Moisés e Elias
sobre a Paixão. Que visão, que pensamentos nos são então abertos acerca da
pessoa de Jesus, de quem tão pouco sabemos!
Quando Ele
passava noites inteiras em oração [...], quem melhor poderia apoiar o Senhor e
dar-Lhe força do que essa «multidão admirável» de profetas de quem Ele era o
modelo e o cumprimento?
Ele podia,
pois, falar com Abraão, que exultara pensando que tinha visto o seu dia
(Jo 8,56), com Moisés [...], com David e Jeremias, que tão
particularmente O tinham prefigurado, com os que mais tinham falado com Ele,
como Isaías e Daniel. Encontrava nestes um fundo de grande
proximidade.
Quando foi
para Jerusalém, para o sofrimento último, todos os santos patriarcas da antiga
aliança, cujos sacrifícios prefiguravam o seu, vieram invisivelmente ao seu
encontro.”
São John
Henry Newman (1801-1890), teólogo, fundador do Oratório em
Inglaterra | «Meditações e Devoções»: III parte, 2, 2 | Imagem