Da Quaresma à Páscoa - «És pó e ao pó voltarás» (Génesis 3,19)
«És pó e ao pó voltarás» (Génesis 3,19).
Quando? Amanhã? No próximo ano? Daqui a 20 anos? Que importa... Esse grão de pó sobre a tua cabeça é o teu destino inelutável.
Por isso emprega bem os teus
curtos anos, converte-te, volta-te para Cristo, que só ele te pode dar perdão e
vida.
É assim que começamos a Quaresma, tempo de conversão e austeridade, mas também
tempo de uma alegria contida, a alegria de um coração purificado.
Trata-se de
nos prepararmos para as festas pascais. A Quaresma é o caminho para uma festa!
«Quando jejuardes, não mostreis um ar sombrio, como os hipócritas, que
desfiguram o rosto para que os outros vejam que eles jejuam. Em verdade vos
digo: já receberam a sua recompensa» (Mateus 6,16).
Escutemos bem estas palavras e apliquemo-las como norma de conduta, não apenas
na Quaresma mas em toda a nossa vida cristã, porque ela não é senão uma longa
preparação para as festas pascais definitivas.
«Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que o teu
jejum não seja conhecido dos homens, mas apenas do teu Pai que está presente no
oculto; e o teu Pai, que vê no oculto, há de recompensar-te» (Mateus 6,17-18).
Que grandeza há no silêncio – não o silêncio nefasto da falta mas no da
virtude, que é perfeito quando dele não se tem consciência – e que força se
pode extrair dele.
A alegria cristã é a simplicidade de uma fé, a seriedade de
uma esperança, a vitalidade do amor.
Na Quaresma a liturgia despe-se dos seus aleluias e glórias, convidando-nos a
um estreitamento de vida, a um despojamento do supérfluo, a um tempo de
germinação escondida e profunda, iluminada sempre por uma esperança e uma
espera.
Ela convida-nos a entrar em nós mesmos para nos mergulhar nas fontes da vida, em Cristo.
Ela incita-nos a reencontrar o nosso verdadeiro rosto num
esforço de autenticidade e lucidez, na oração e na caridade, para que,
modelados à imagem de Cristo, sejamos capazes de uma comunhão mais profunda no
seu mistério.
Sim, porque o mistério de Cristo não é algo que esteja fora de nós; ele é o que
nós somos e o que somos chamados a ser. O seu drama é o nosso.
A nossa cruz não é outra que a de Cristo, é o seu amor em nós que a carrega.
A nossa verdadeira
vida é a vida do Ressuscitado em nós. Se a liturgia nos conduz pelos passos de
Cristo é para nos ensinar o caminho que é também o nosso.
O drama que se evoca na Quaresma não é apenas a recordação de um acontecimento
passado mas a atualização do drama de Cristo, aqui e agora, para nós, que nos
coloca diante da opção decisiva da fé e do amor.
Procuremos portanto estar em
harmonia com o espírito da liturgia deste tempo e acolher a seiva de vida que
nos oferece.
Um monge
cartuxo
(recebido via email)