«Ide vós também para a minha vinha»
O Senhor não deixa, em tempo
algum, de enviar trabalhadores para cultivarem a sua vinha [...]: através dos
patriarcas, dos doutores da Lei e dos profetas e, finalmente, através dos
apóstolos, Ele procurava, por assim dizer, que a sua vinha fosse cultivada pelos
seus trabalhadores. Todos aqueles que a uma fé firme juntaram boas obras foram
trabalhadores dessa vinha [...].
Os trabalhadores contratados
ao nascer do dia, à hora terceira, à sexta e à nona designam portanto o povo
hebraico, que, aplicando-se [...] desde o começo do mundo a prestar culto a
Deus com fé firme, não parou, por assim dizer, de se empenhar no cultivo da
vinha. Porém, à décima primeira hora, foram chamados os pagãos, a quem foram
dirigidas estas palavras: «Porque ficais aqui todo o dia sem trabalhar?» De
facto, ao longo de todo aquele tempo por que o mundo passou, os pagãos tinham
negligenciado o trabalho que leva à vida eterna, e passavam o dia inteiro sem
nada fazer. Mas reparai bem, irmãos, o que respondem à pergunta que lhes é
feita: «Ninguém nos contratou». De facto, nem patriarca nem profeta algum se
acercara deles. Dizer: «Ninguém nos contratou para trabalhar» significa:
«Ninguém nos pregou os caminhos da vida».
E nós, que invocaremos como
desculpa se nos abstivermos de realizar boas obras? Pensai bem: nós recebemos a
fé ao sair do seio da nossa mãe, escutámos as palavras de vida desde o berço e
fomos alimentados ao peito da Santa Igreja, dela bebendo, ao mesmo tempo que o
leite materno, o néctar da doutrina celeste.
São Gregório Magno (c.
540-604), papa, doutor da Igreja | Homilias sobre o Evangelho, n.° 19
Sobre
o Papa Gregório…
“O Papa São Gregório, que foi Bispo de Roma entre 590 e 604, e que
mereceu da tradição o título de Magnus/Grande, foi um dos maiores Padres da
história da Igreja, um dos quatro Doutores do Ocidente.
Gregório foi
verdadeiramente um grande Papa e um grande Doutor da Igreja! Nasceu em Roma,
por volta de 540, de uma rica família patrícia da gens Anicia, que se
distinguia não só pela nobreza de sangue, mas também pela dedicação à fé cristã
e pelos serviços prestados à Sé Apostólica. Desta família nasceram dois Papas:
Félix III (483-492), trisavô de Gregório, e Agapito (535-536).
A casa na qual Gregório cresceu estava situada no
Clivus Scauri, circundada por solenes edifícios que testemunhavam a grandeza da
Roma antiga e a força espiritual do cristianismo. Os exemplos dos pais Gordiano
e Sílvia, ambos venerados como santos, e os das duas tias paternas, Emiliana e
Tarsília, que viveram na própria casa como virgens consagradas num caminho
partilhado de oração e de ascese, inspiraram-lhe altos sentimentos cristãos.
Gregório
entrou cedo na carreira administrativa, que também o pai tinha seguido, e em
572 alcançou o seu ápice, tornando-se prefeito da cidade. Esta função, complicada
pela tristeza dos tempos, consentiu-lhe dedicar-se num amplo raio a todos os
géneros de problemas administrativos, haurindo luzes para as futuras tarefas.
Em particular,
permaneceu-lhe um profundo sentido da ordem e da disciplina: tornando-se Papa,
sugerirá aos Bispos que tomarem como modelo na gestão dos assuntos
eclesiásticos a diligência e o respeito pelas leis próprias dos funcionários
civis.
Contudo, esta vida talvez
não o satisfizesse porque, não muito tempo depois, deixou todo o cargo civil,
para se retirar na sua casa e iniciar a vida de monge, transformando a casa de
família no mosteiro de Santo André "al
Celio".
Deste período de vida
monástica, vida de diálogo permanente com o Senhor na escuta da sua palavra,
permanecer-lhe-á uma profunda saudade que se vê sempre de novo e cada vez mais
nas suas homilias: entre as obsessões das preocupações pastorais, recordá-lo-á
várias vezes nos escritos como um tempo feliz de recolhimento em Deus, de
dedicação à oração, de serena imersão no estudo. Assim pôde adquirir aquele
conhecimento profundo da Sagrada Escritura e dos Padres da Igreja do qual se
serviu depois nas suas obras.
Mas o retiro claustral de
Gregório não durou muito tempo. A preciosa experiência maturada na
administração civil num período caracterizado por graves problemas, as relações
mantidas nesse cargo com os bizantinos, a estima universal que tinha adquirido,
levaram o Papa Pelágio a nomeá-lo
diácono e a enviá-lo a Constantinopla como seu "apocrisário" - hoje dir-se-ia "Núncio Apostólico" - para favorecer a superação dos últimos
vestígios da controvérsia monofisita e, sobretudo, para obter o apoio do
imperador no esforço de conter a pressão longobarda.
A permanência em
Constantinopla, onde um grupo de monges tinha retomado a vida monástica, foi
importantíssima para Gregório,
porque lhe deu a ocasião de adquirir experiência direta com o mundo bizantino,
assim como de entrar em contacto com o problema dos Longobardos, que depois
teria posto à dura prova a sua habilidade e a sua energia nos anos do
Pontificado.
Depois de alguns anos foi
chamado de novo para Roma pelo Papa, que o nomeou seu secretário. Eram anos
difíceis: as chuvas contínuas, o transbordar dos rios, a carestia afligiam
muitas zonas da Itália e também Roma. No final desencadeou-se também a peste, que
fez numerosas vítimas, entre as quais também o Papa Pelágio II.
O clero, o povo e o senado
foram unânimes em escolher como seu sucessor na Sé de Pedro precisamente a ele,
Gregório. Ele procurou opor
resistência, tentando até a fuga, mas sem êxito: no final teve que ceder. Era o
ano 590.” Continuar a ler