Um tempo para dizer que Jesus Ressuscitou
Nem
tudo está terminado na Vigília da
Ressurreição.
A festa da Páscoa estende-se por uma
semana de semanas, ou seja, por cinquenta dias, tantos quantos foram os que o Ressuscitado conviveu com os Apóstolos, ora mostrando-se ora
ocultando-se aos olhos deles.
Os
discípulos, nos intervalos das aparições, iam repetindo, a cada amigo que encontravam,
a grande novidade que lhes enchia a alma: «Cristo ressuscitou».
Ainda
hoje são essas as palavras utilizadas pelos cristãos orientais quando se saúdam
no Domingo da Ressurreição.
Com
elas também, em muitas aldeias, vilas e cidades do nosso País, o pároco
cumprimenta as famílias durante a visita pascal.
Ao
aspergir com água benta cada casa e os que nela habitam, o sacerdote,
dirigindo-se aos membros da família reunida na melhor sala da habitação,
anuncia-lhes: «Cristo ressuscitou. Aleluia. Aleluia», recebendo
como resposta: «Aleluia. Aleluia».
E
de seguida, cada um beija a imagem do Senhor crucificado que lhes é apresentada
por aquele que leva a cruz paroquial.
O Tempo Pascal é tempo próprio para
anunciar que Jesus ressuscitou.
É
tempo para viver como ressuscitados.
É
tempo para formar uma comunidade de testemunhas pascais.
Páscoa é a festa, a nossa festa.
Não
festa exterior a nós, mas a nascer do coração dos que ressuscitaram com Cristo.
A
sua luz transfigura-nos e Cristo ressuscitado dá à nossa vida o seu verdadeiro
sentido, enchendo-a da sua própria alegria.
Páscoa
é a festa da Igreja no coração do mundo.
A
Igreja pascal vive da vida do Ressuscitado e tem por missão ser um sinal dessa
vida no mundo.
Mais
do que o fogo dos vulcões escondidos debaixo da terra, esta presença de Cristo
vivo será, até ao fim dos tempos, uma força de transformação, capaz de renovar
o coração dos homens.
É
o que nos anunciam muitas leituras dos Domingos e dias de semana do Tempo
Pascal, ao descreverem acontecimentos testemunhados pela comunidade mais
primitiva dos discípulos de Cristo.
Maria
Madalena diz: «Vi o Senhor»;
os
dois de Emaús reconhecem Jesus ao partir o pão;
os
Onze, fechados numa casa em Jerusalém por medo dos judeus, dão testemunho de
todas as coisas que o Ressuscitado fizera diante deles;
Tomé,
ao meter os dedos e a mão nas chagas de Jesus, vê e acredita;
os
pescadores desanimados após uma noite de faina infrutífera no mar da Galileia, vêem
o barco encher-se de peixe a uma palavra do Senhor que lhes fala da margem;
no
dia de Pentecostes, juntam-se aos
discípulos cerca de três mil pessoas;
às
palavras de Pedro e de João em nome de Jesus Nazareno, um coxo de nascença
levanta-se de um salto, põe-se de pé e começa a caminhar, saltando e louvando a
Deus;
a
meio da noite, o anjo do Senhor abre as portas da cadeia onde os mesmos dois
Apóstolos tinham sido presos, e estes, sem compreenderem muito bem o que estava
a acontecer-lhes, descobrem que estão na rua, e dirigem-se para a casa da mãe
de João Marcos, onde a Igreja nascente, reunida, rezava por eles…
A
novidade que a Ressurreição de Cristo introduziu nas vidas dos primeiros
discípulos aparece sintetizada em duas palavras dessas mesmas leituras do Tempo
Pascal: «Todos os crentes viviam unidos e
punham tudo em comum», o que levava os próprios pagãos a dizer a seu
respeito: «Vede como eles se amam».
Cristo
ressuscitou, e todo o homem e mulher que com Ele nasce de Deus, descobre em si
um coração novo cuja lei é o amor.
Quem
acolhe a Ressurreição, quem crê sem ter visto, quem exprime e alimenta a sua fé
no Ressuscitado cada domingo, volta para os outros um olhar maravilhado e um
coração aberto. Torna-se sinal de uma outra vida.
É
Deus que faz nascer no coração dos crentes o gosto das coisas belas do alto,
que só se apreciam bem com o espírito, e também é Deus que leva a descobrir a
necessidade de algumas realidades da terra, àqueles que Ele mesmo chama a
seguir mais de perto o seu Filho.
Aqui
as enumeramos, sem a pretensão de ser exaustivos.
São
tão simples que até poderão parecer indignas de ser propostas a homens "esclarecidos pelas luzes da ciência".
Mesmo
assim, ousamos fazê-lo:
pertencer
conscientemente à Igreja fundada por Jesus;
dar
graças por ser seu membro vivo e ativo;
reunir-se,
cada domingo, em assembleia, com os irmãos na fé;
escutar
e guardar no coração as palavras do Senhor que são espírito e vida e ensinam a
caminhar para o Céu;
celebrar,
com outros irmãos e irmãs na fé, domingo após domingo, a morte e ressurreição
de Jesus, sem nunca se cansar, mesmo quando tais reuniões colidem com outros
afazeres;
alimentar-se
do Corpo e Sangue de Cristo para saborear como o Senhor é bom.
Todos
os que se deixam interpelar por esta graça que lhes vem do Pai das luzes,
acabam por descobrir que os gestos simbólicos que se fazem na Liturgia estão
repletos de uma realidade invisível.
É
certo que, ao repeti-los, semana após semana, as tensões e dificuldades não
desaparecem por encanto.
A
semente que Deus vai semeando no coração dos crentes, precisa de tempo para
germinar, crescer, dar fruto e transformar as pessoas, as comunidades e o
mundo.
Mas
pouco a pouco, Jesus Cristo ressuscitado vai criando, de forma misteriosa, um
mundo novo, e também vai revelando que são possíveis outras relações entre os
homens.
As
afirmações do autor da Carta a Diogneto serão
sempre uma interpelação forte dirigida aos discípulos de Jesus em cada época
histórica:
«Os
cristãos não se distinguem dos demais homens, nem pela pátria, nem pela língua,
nem pelos costumes. A sua doutrina não procede da imaginação fantasiosa de
espíritos exaltados, nem se apoia, como a de outros, em qualquer teoria
simplesmente humana. Os cristãos habitam no mundo, mas não são do mundo. São de
carne, mas não vivem segundo a carne. Habitam na terra, mas a sua cidade é o
Céu. Obedecem às leis estabelecidas, mas pelo seu modo de vida superam as leis. Numa
palavra: os cristãos são no mundo o que a alma é no corpo. Tão nobre é o posto
que Deus lhes assinalou, que não lhes é possível desertar».
Foram
os encontros com Cristo Ressuscitado, durante os cinquenta dias que se seguiram
à primeira manhã de Páscoa, que tornaram mais firme, no coração dos Apóstolos,
a certeza de que o crucificado, era, afinal, Aquele que Deus estabelecera como
Senhor e Messias, como Deus feito homem, como seu Filho Unigénito e Salvador da
humanidade.
Na
sequência dos Apóstolos, a Igreja de cada tempo é convidada a repetir encontros
semelhantes e a fazer experiência idêntica.
Em
cada domingo, mas particularmente nos do Tempo Pascal, os olhos dos discípulos
hão-de ser iluminados pelas aparições do Ressuscitado como o foram os dos
Apóstolos, sob pena de irem deixando de ver o essencial.
E
um dos lugares dessa visão e iluminação é precisamente a assembleia litúrgica
dominical, grande dádiva de Deus aos discípulos do seu Filho.
Os
célebres mártires de Abitínia, no ano 304, no tempo do imperador Diocleciano,
tinham-no assimilado muito bem, como se vê pela leitura desta passagem das
actas do interrogatório conduzido pelo funcionário imperial:
«O
procônsul Anulino perguntou ao leitor Emérito: "Foi em tua casa que,
contra as ordens dos imperadores, se fizeram as reuniões"? Emérito, cheio
do Espírito Santo, respondeu: "Sim, foi em minha casa que fizemos a
reunião". O procônsul: "Porque lhes permitiste que entrassem"?
Resposta: "Porque são meus irmãos, e não podia proibi-los". O
procônsul: "Mas devias tê-los proibido". Emérito: "Não podia,
porque não podemos viver sem a reunião dominical…"».
P.
José de Leão Cordeiro (texto editado)